Maria da Penha Maia Fernandes transformou a dor em portas para que outras mulheres não passem pelo que ela passou. A Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem à ela, completa 15 anos de existência, servindo de ferramenta na luta para erradicar a violência contra a mulher no Brasil.
Ainda que na prática seja necessário muitos avanços, a Lei é responsável por trazer à luz o tema das violações contra as mulheres. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão e Instituto Locomotiva sobre violência doméstica contra a mulher na pandemia, 75% dos entrevistados acreditam que, hoje em dia, se condena muito mais a violência doméstica do que antes do surgimento da Lei. Além disso, para 84%, a Lei Maria da Penha também fez com que mais mulheres passassem a denunciar os casos de violência, é o que ressalta Bernadete Senna, vereadora suplente do Solidariedade/RS e técnica em saúde comunitária.
“A Lei Maria da Penha nos garante o direito de escolha de denunciar ou não o agressor. Ela permitiu que não ficássemos caladas para a violência sofrida. Com toda certeza, sem ela, a situação das mulheres brasileiras seria muito pior”.
Quem foi Maria da Penha?
Maria da Penha sofreu agressões e tentativa de assassinato por parte do marido ao longo de anos. A luta se estendeu para os tribunais, que não reconheciam a violência sofrida, condenando e libertando o agressor de Penha por diversas vezes. Ao todo, foram 23 anos de abusos, que incluem comportamentos agressivos do marido, um tiro nas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica, cárcere privado e tentativa de eletrocussão.
O caso ganhou repercussão internacional após o Judiciário não cumprir com o papel de auxílio à vítima e o Estado foi responsabilizado por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras.
Violência contra a mulher: surgimento da lei
A Lei Maria da Penha foi sancionada pelo presidente Lula em agosto de 2006 com 46 artigos distribuídos em sete títulos que estabelecem mecanismos para punir os agressores, coibir e prevenir a violência contra a mulher.
Uma das principais funções da lei Maria da Penha é tipificar a violência contra a mulher para que, desta forma, medidas sociais possam ser tomadas, como políticas públicas que contribuam para mudar o comportamento violento e machista na sociedade.
Em 2017, ela foi aprimorada com a criação da lei 13.505, que determina que o trabalho prestado de atendimento à mulher vítima de violência doméstica deve ser realizado, preferencialmente, por funcionárias do sexo feminino previamente capacitadas. Outros termos de proteção também foram adicionados, como a priorização da saúde psicológica e emocional da vítima, principalmente em relação às repetidas perguntas referentes à violência sofrida.
A Lei Maria da Penha na prática
Estão previstos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher na Lei: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. No entanto, Bernadete pontua que a Lei Maria da Penha ainda está longe de ser totalmente efetiva e traz um caso conhecido de uma moradora de Porto Alegre como exemplo.
A moça, mãe de 3 filhos e que preferiu não se identificar, sofreu violência doméstica nas mãos do marido desde o início do casamento, que ocorreu aos 16 anos de idade, já grávida do primeiro filho do casal. Ao longo dos anos de matrimônio, o assédio psicológico inicial se juntou às agressões físicas, até que, em um determinado momento, ao tentar defender a mãe das agressões do pai, um dos filhos do casal foi esfaqueado nas costas. A grave violência foi a gota d’água para que a mulher fosse até a Delegacia denunciar o marido, com respaldo da Lei Maria da Penha.
A medida protetiva foi concedida, porém, o agressor não a cumpriu. Em uma das perseguições para agredir a esposa novamente, o homem acabou sendo atropelado por um ônibus na frente da vítima, causando ainda um trauma psicoemocional de culpa na mulher.
“Nessa história toda eu vejo que quando ela fez a queixa, se a medida protetiva fosse mais forte, isso não teria acontecido. Porque ele teria sido punido, teria ficado longe dela e estaria vivo. Então eu acho uma lei muito boa, mas ainda tem muita burocracia e muitas brechas”, lamenta Senna.
A pesquisa do Instituto Patrícia Galvão também aponta a percepção negativa sobre a aplicação da Lei, ao indicar que, para 87% dos entrevistados, se o Estado apoiasse mais as mulheres que sofrem violência doméstica, elas sairiam mais rápido e com menos traumas da relação violenta. Para 92%, os homens que cometem violência doméstica sabem que é crime, mas continuam as agressões por não confiarem na punição.
Nestes 15 anos, apesar dos avanços, Senna acredita que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha deveriam ser cumpridas com mais rigor, com a punição do agressor no ato e um amparo mais imediato à vítima. Segundo ela, muitas mulheres acabam não denunciando justamente por medo da represália, como foi o caso da moradora de Porto Alegre.