O Brasil já completou 17 meses de pandemia do novo coronavírus, iniciada em março de 2020 no Brasil. Neste cenário, trabalhadores e trabalhadoras convivem com os desafios da mudança abrupta de suas rotinas laborais, enquanto a população tem enfrentado os maiores desafios deste século: mortes, desemprego, fome, dores, sequelas, medo, desigualdade e insegurança.
Entre os setores abalados pela crise sanitária global está a área da educação e todos os profissionais que atuam nele. Ao longo da pandemia, houve um vazio e um silêncio nas escolas públicas e privadas do país.
Dados coletados em março do ano passado pelo Censo Escolar da Educação Básica, do Ministério da Educação (MEC), indicam que as escolas já estavam com déficit de estruturas essenciais para a reabertura durante a pandemia e, caso mudanças não tenham sido feitas, esse déficit tende a ser um entrave para estudantes e professores retomarem as salas de aula. O gráfico a seguir mostra a relação dos dados:
Retorno presencial de aulas preocupa profissionais
O processo de retorno das aulas presenciais tem escancarado as desigualdades entre os ensinos público e privado. Por falta de capacidade estrutural, as escolas públicas não conseguirão receber todos os estudantes de uma única vez, ao contrário do que acontece nas escolas privadas. As escolas públicas, em grande parte, não têm espaço para garantir a distância mínima de 1 metro entre os alunos.
Além disso, o retorno às aulas mobiliza uma série de atividades econômicas, o que pode colocar em risco não apenas as pessoas diretamente envolvidas com as escolas, mas também a comunidade que se organiza ao redor dela. Na prática, uma quantidade enorme de trabalhadores vai ter que voltar para dar conta da infraestrutura necessária para as aulas acontecerem. Para muitos profissionais da educação, o atual momento de debate sobre o retorno às aulas presenciais e a segurança desta volta é complexo e deve envolver professores, pais, estudantes, funcionários e quem mais entender do tema.
Uma análise feita em São Paulo, divulgada em abril, aponta que professores que trabalharam presencialmente nas escolas tiveram risco quase três vezes maior de desenvolver COVID-19 do que a população da mesma faixa etária no estado. Além disso, uma pesquisa da Vox Populi divulgada no início do mês índica que mais de 85% dos professores estão com receio da COVID-19 na volta às aulas presenciais.
Entidades como a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) já se manifestaram contra as aulas em agosto por causa da lentidão na vacinação no Brasil. Segundo o sindicato, parte dos professores, mesmo integrando os grupos prioritários, ainda precisa esperar três meses para a segunda dose, a depender do imunizante usado. Estudos mostram que a imunidade gerada após as duas vacinas é muito mais robusta.
Papel dos professores no pós-pandemia
No Brasil, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) estima que mais de 5 milhões de crianças e jovens brasileiros não tiveram acesso à educação durante a pandemia. Além disso, um estudo recente demonstrou que, mesmo com o ensino remoto em 2020, os estudantes brasileiros aprenderam apenas cerca de 25% do esperado.
Educadores agora tentam achar soluções para a geração COVID-19, que são as crianças e jovens de 4 a 17 anos que perderam, até agora, um ano e meio de escola. Há 21 milhões de crianças brasileiras de zero a seis anos vivendo em situação de pobreza ou extrema pobreza, para as quais a escola é muitas vezes o local onde se alimentam de maneira adequada. Ou seja, os desafios da pandemia se somam aos desafios antigos da área.
Após fazer avaliação diagnóstica própria em sua rede, o governo de São Paulo afirmou estimar 11 anos para recuperar a aprendizagem perdida na matéria de matemática durante a pandemia nos anos iniciais do ensino fundamental. Alunos do 5.º ano da rede estadual perderam habilidades que já haviam adquirido, é o que mostram os resultados do teste. Hoje, um aluno de 10 anos tem desempenho pior do que ele mesmo tinha quando estava com 8 anos.
Em 2020, estados e municípios diminuíram despesas com educação
Mesmo com escolas fechadas, o ano da pandemia foi considerado por especialistas o mais crítico para o ensino no mundo todo, pois demandou investimentos em novas formas de ensinar, além de conectividade e infraestrutura para o momento de retorno. O orçamento do Ministério da Educação também foi reduzido. Os dados fazem parte do Anuário Brasileiro da Educação Básica, lançado pelo Todos pela Educação e pela Editora Moderna.
Nos estados, a queda entre 2019 e 2020 foi de R$ 11,4 bilhões, equivalente a uma redução média de 9%. Já os municípios investiram R$ 10,4 bilhões a menos que no ano anterior, uma diminuição média de 6%. Os dados envolvem todos os gastos com educação, incluindo salários.
“Esse é um dos grandes erros do Brasil na pandemia: colocar a educação em segundo plano, achando que era possível dar uma pausa nas escolas e investir em outras áreas consideradas mais emergenciais, mas a educação também é emergencial”, explica a presidente executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz.
Pandemia enaltece a importância da profissão de educador
O isolamento social causado pela pandemia fez com que as famílias percebessem o quanto é difícil educar uma criança. Os professores brasileiros estão fazendo a sua parte com trabalho dobrado, é o que podemos constatar por meio de um relato emocionante e verdadeiro do trabalho executado pela professora Heide Cristiane Santos Leão, da Rede Municipal de Ensino de Campo Grande (MS), em tempos de pandemia:
“A pandemia da COVID-19 fez com que o tempo em casa e na escola se transformasse em um só. Foram horas e mais horas de planejamento fora do turno de trabalho, tudo para fazer com que, mesmo ausentes da rotina escolar, os alunos tivessem o maior aproveitamento possível. Ficamos sem auxílio e incentivos, sem preparação frente à nova realidade. Os professores compraram equipamentos, triplicaram os gastos com internet, dividiram o tempo entre as aulas on-line, planejamentos, elaboração de cadernos, atendimento aos grupos de salas de aula, dedicaram-se a cursos on-line para dar conta das plataformas, aprenderam a gravar vídeos, editar, postar, reeditar, e assim por diante. Tudo isso sem quase nenhum apoio de governos”.
O momento de pandemia escancarou a importância de valorizarmos todos os profissionais ligados à área da educação em todo o país. Nós, como cidadãos, temos o compromisso de reconhecer o papel e o impacto destes profissionais.