Convido você a fazermos um pequeno passeio pela história. O século XIX no Brasil é marcado por grandes acontecimentos e mudanças significativas. Como país independente (1822/25), o Brasil tinha a missão de pensar a nação sob a ótica da identidade, estrutura, política e até fronteiras a se resolver.
Nesse período o país mostrou a sua potência agrícola, na exportação de café, cana de açúcar e algodão. Logo, a escravidão tornou-se timidamente como uma questão no parlamento na segunda metade do século XIX.
O sistema escravocrata era apresentado como fonte de sustentação do Brasil, por muitos deputados, e sem ele o país entraria em um verdadeiro caos. Já que os escravos africanos eram por muitos, tidos como preterida fonte de mão de obra e exploração servil para desenvolvimento do país.
A historiografia tradicional apresenta o alcance da abolição como uma trajetória a ser trilhada composta pelas leis emancipacionistas, paulatinamente. Desta forma a libertação dos escravos no Brasil teria sido um produto fruto da pressão da Inglaterra, pelas influências de outros países frente ao livre comércio, por questões morais ou até mesmo por medo de uma revolta de escravos semelhante à do Haiti.
Relembrando a ordem dos fatos históricos que influenciaram o fim da “escravidão”: a lei 4 de setembro de 1850, também conhecida por Eusébio de Queirós ou Fim do Tráfico Negreiro. Segundo Emília Viotti:
“A cessação do tráfico lançou sobre a escravidão uma sentença definitiva. Mais cedo ou mais tarde estaria extinta, tanto mais quanto os índices de natalidade entre os escravos eram extremamente baixos e os de mortalidade, elevados. Era necessário melhorar as condições de vida da escravaria existente e, ao mesmo tempo, pensar numa outra solução para o problema da mão de obra.”
Não nasciam mais povos para serem escravizados nos navios, natalidade baixa, e morriam aqueles que estavam na condição de escravos, logo sem opção a promulgação da Lei Eusébio de Queiroz resolveu uma questão que consequentemente aconteceria, a pressão da Inglaterra tornou-se muito grande a partir de 1845, quando os ingleses aprovaram a Bill Aberdeen, lei que permitia as embarcações britânicas atacarem e aprisionarem navios negreiros que estivessem no Oceano Atlântico. Nesse sentido a aplicação da lei efetiva fez com que o número de escravos enviados para o Brasil caísse significativamente, na década de 1850.
A Lei do Ventre Livre – 1871, também tem suas nuances capciosas, decretava que todos os filhos de escravos nascidos no Brasil a partir de 1871 seriam considerados livres, mas com condições impostas. O dono do escravo teria duas opções para conceder a alforria: se optasse libertá-lo com oito anos (nessa fase a criança já mostrava as suas capacidades), ele receberia uma indenização de 600 mil-réis, se optasse por libertá-lo aos 21 anos, não receberia nenhuma indenização. Pensemos… Os povos escravizados após treze anos de escravidão, poucos chegavam aos 21, devido às condições miseráveis que viviam.
Existe uma análise de ambiguidades da “Lei do Ventre Livre” que contribuíram para o aproveitamento espoliativo da mão-de obra escrava infantil, o estudo da tutela, configurado como um mecanismo de controle e exploração da mão-de-obra, não apenas dos “ingênuos”, crianças nascidas livres de mães escravas, mas também sobre outras categorias: (crianças órfãs, pobres e/ou de cor desvalidas) nos últimos anos do século XIX (1871-1888)
Esse período foi marcado por profundas mudanças econômicas, sociais e políticas, que marcaram a construção da história da família negra e escravizada, assim como da infância brasileira. Sigamos o percurso com discussões que antecederam a Abolição da Escravatura.
O Projeto Dantas- por exemplo- de caráter abolicionista se apresenta com um projeto de abolição imediata para escravos com 60 anos ou mais e sem indenização aos senhores, isso foi visto como uma afronta à legitimidade do sistema escravocrata e do domínio senhoril e propriedade privada. Assim sendo, o Parlamento, os senhores de escravos e deputados escravocratas aprovaram a Lei dos Sexagenários (1885)- a qual garantia liberdade aos escravos com 60 anos de idade ou mais, cabendo aos seus proprietários o pagamento de indenização. Ou seja, deveriam trabalhar durante três anos para seu senhor como forma de indenização. A lei também determinava que os libertos contemplados por essa lei não poderiam mudar-se de província e deveriam, obrigatoriamente, residirem no município em que foram alforriados, por cinco anos.
Obviamente que, as atitudes tomadas nunca intencionaram garantia de direitos aos idosos ou possibilidades de retomar suas vidas em “sociedade” bem verdade para eles, os sexagenários já não ofereciam mãos negras fortes para trabalhar nas lavouras de café e cana de açúcar. Ainda assim continuariam escravizados.
Não havia intencionalidade de aprovar leis com abolição imediata, já que levaria o país a um verdadeiro colapso, onde o setor agrícola ficaria sem mão de obra escrava prejudicando assim a produção.
De acordo com Emília Viotti existia o argumento da Revolução industrial como influencia para o fim da escravidão (1888).
Nos países em que se processou a Revolução Industrial os novos grupos ligados ao capitalismo industrial que passaram a influenciar a política condenaram a escravidão. A existência de uma grande massa de escravos nas regiões coloniais parecia-lhes um entrave à expansão de mercados e a modernização dos métodos de produção. Os setores agrários haviam sido escravistas, os novos grupos desvinculados da Grande Lavoura apontavam todos os aspectos negativos da escravidão.
Consideremos outro fator, os escravos eram auxiliados por abolicionistas, que viram a deserção em massa das fazendas como a única maneira de acabar rapidamente com a escravatura, mas muitos escravos abandonaram seus senhores sem o incentivo abolicionista, fazendo, na realidade, o que dezenas de milhares já haviam feito antes deles e sendo encorajados por uma mudança de pensamento, que deve ter invadido as fazendas mais isoladas.
Retomando a análise panorâmica histórica, as leis aqui apontadas libertaram os povos escravizados? Não. Ainda hoje sofremos com esse percurso perverso de mais de 300 anos de escravidão. Isso significa que vamos precisar de mais tempo para que a sociedade nos devolva urgentemente através de ações afirmativas, e políticas públicas, reparando os danos e perdas sociais, financeiros, intelectuais, emocionais e morais. Continuemos na luta pela igualdade de direitos para crianças, jovens, adultos e idosos negros em nosso país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. Rio de Janeiro; Civilização brasileira, 1975.
COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 6ª Ed. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999.
FREYRE, Gilberto. Casa-Grande e Senzala. Brasília: UNB, 1963.