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A ciência em tempos de negacionismo
Diógenes Sandim

Diógenes Sandim

Médico Sanitarista e consultor da Fundação 1º de Maio

A ciência em tempos de negacionismo
Hoje no Brasil, convivemos com um exemplar do negacionismo que, por um acaso, às vezes nos surpreende, se tornou governo em 2018, e já tivemos o dissabor de ver as consequências desastrosas para o país.

Há muito pouco tempo, não antes de meados da última década, não imaginávamos sofrer uma avalanche de uma prática de militância digital que passou a utilizar métodos retóricos e argumentativos de negação das verdades científicas comprovadas. Aproveitando-se das redes sociais, ampliou em larga escala seu alcance negacionista em várias partes do mundo.

Antes de analisarmos as razões que estão por trás desse fenômeno social, vamos estudar a matriz sobre a qual ele se alimenta.

Sabemos ser mecanismos comuns a todos seres humanos recusar a admitir ou aceitar, bem como contestar, negar e repudiar, considerados inclusive como forma de defesa que muitas vezes se dão de maneira inconsciente.

É comum nos depararmos com comportamentos individuais de pessoas que sempre se colocam como “do contra”, e Freud, para dar conta desse comportamento, percebeu que era sempre uma atitude de defesa do “eu” diante de conteúdos que ameaçavam a estabilidade da própria consciência.

Pode ser visto também como um meio de escapar da realidade quando essa promove um desconforto por sentimentos de medo, intimidação e frustração.

Consubstanciado nessas relações de ordem subjetivas do ser humano, interagem também opiniões, hábitos e costumes que são compartilhados como cultura de um povo, que pode se dar como práticas esportivas, culinárias, políticas, músicas ou religiões que fazem parte do imaginário coletivo, bem como da identidade individual.

São elementos que têm apego afetivo ao longo da formação das pessoas e criam noções do que é bem-visto ou aceitável pelos outros e, em consequência, por nós mesmos.

Para escaparmos desse aparato adquirido pelos costumes e ganhar a racionalidade é muito difícil. Exige um treinamento da mente para se tornar racional.

Se este treinamento não fizer parte de todo processo de educação, a maioria da população ficará a mercê de proselitismo oportunista que sempre teve lugar em nosso meio, que, no campo da política e conquista do poder foi definido como POPULISMO.

Sob a ignorância formal e o arrebatamento ilusório da fantasia de muitos, o populismo sempre se beneficiou da falta de racionalidade em seus argumentos, mas, esperto na retórica simplória da argumentação conspiratória da luta do bem contra o mal.

Frente às frustações agudas de um povo e de uma nação, “salvadores da pátria” sempre aproveitaram a oportunidade para vender ilusões salvacionistas e implantarem o poder absoluto. Vimos isso ocorrer na história mundial, com terríveis consequências, com Alemanha e Itália no Nazifascismo.

O que tem tudo isso a ver com a onda de negacionismo de alcance em larga escala no mundo contemporâneo?

O processo histórico evoluiu muito no pós iluminismo. A ciência e a tecnologia começaram naturalmente com passos lentos, ainda no século XVI, mas, de forma sustentável, avançaram nos séculos seguintes ganhando velocidade com cada revolução industrial, alcançando hoje a quinta revolução tecnológica 5.0, a da inteligência artificial.

Com a revolução tecnológica ganhando cada vez mais velocidade, principalmente no campo da comunicação, o mesmo não ocorreu com o desenvolvimento antropossocial, e, com as mazelas do status da equidade socio humanitária sem solução a curto e médio prazo, tem vicejado frustrações, medos, intimidações, repercutindo nas mais diversas formas da vida humana em sociedade.

Nos parece estarmos vivendo uma crise civilizatória de saturação que, sem respostas às contradições socioeconômicas e sem saber, por ignorância, como se colocar frente a essas contradições, a população tem se tornado presas fáceis de retóricas argumentativas simplistas produzidas, por maldade, pelos oportunistas populistas que se colocam contra “tudo isso que está aí”.

Com essa máxima, seus adeptos têm construído uma matriz ideológica de coerência negacionista, negando a própria ciência no seu todo, menos a tecnologia da informação que sustenta suas “bolhas,” numa prática militante de reforço interativo com quem pensa igual.

Nas redes sociais encontramos milicias digitais a serviço dessa mais nova pandemia negacionista de “Fake News” militante, que alimenta a ignorância, a desinformação, o medo, as frustações, as neuroses dos complexados e o oportunismo dos psico sociopatas.

Numa construção de argumentos de ilusão nostálgica, alimenta a esperança dos céticos da modernidade de que podemos retornar ao passado onde as pessoas eram mais felizes e as famílias mais unidas.

A evolução a ser combatida é a evolução dos costumes e toda e qualquer teoria que possa questionar a realidade econômica, que só pode ser transformada pela meritocracia, sustentada pela ideologia do merecimento, distorcem as origens da opressão e ignoram as desigualdades sociais que resultam em violências físicas e emocionais com certos grupos.

É de uma argumentação rasa, coerente com todo seu estatuto negacionista, que de forma simplista tenta dar saídas lineares para fenômenos complexos como da vida social.

Os negacionistas são persistentes em seus objetivos, que em última análise se restringe ao poder e, neste caso, ao poder absoluto.

Por isso é fundamental estimular a reflexão e oferecer meios para a população desenvolver o senso crítico. Promovermos a prática do diálogo entre as pessoas e a capacidade de fazermos inversão de papéis numa relação dialógica, com o objetivo de um aprendizado coletivo para promoção da cultura de paz como bordão socioeducativo.

Hoje no Brasil, convivemos com um exemplar do negacionismo que, por um acaso, às vezes nos surpreende, se tornou governo em 2018, e já tivemos o dissabor de ver as consequências desastrosas para o país. Temos agora a obrigação cívica de lutar pela sua derrota, para não experimentarmos mais desastres e não perdermos a rota do processo civilizatório enquanto nação. O Solidariedade, em primeira hora, fez sua opção de enfileirar-se na frente daconfirmação pela democracia com: LULA – ALCKMIN 2022