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A contínua luta indígena no Brasil
Luciana Console

Luciana Console

Jornalista da Fundação 1º de Maio

A contínua luta indígena no Brasil
Povos tradicionais enfrentam violações há séculos; governo atual tem potencializado essas ações.

Segundo dados do último relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT), as invasões em terras indígenas em 2020 representaram 71,8% das ocorrências no campo em todo o país. Já em relação a 2021, os números não foram atualizados pelo governo federal, é o que indica pesquisa do projeto Achados e Pedidos, que aponta que a Funai (Fundação Nacional do Índio), não dispõe de dados sobre fiscalização e monitoramento sobre atividades ilegais em terras indígenas. 

A falta de dados só enaltece a dura realidade que as populações indígenas vêm enfrentando no governo Bolsonaro, principalmente em tempos de pandemia, é o que comenta o secretário executivo do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira. 

“Eles ficaram isolados nas suas aldeias e terras e isso favoreceu os não indígenas, que continuaram mobilizados, junto com o governo federal, que hoje é o principal inimigo dos povos indígenas. Eles não fizeram isolamento social e continuaram invadindo territórios e praticando todo tipo de violência contra esses povos.”

De acordo com dados do relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), casos de invasões de terras indígenas cresceram 135% de 2018 para 2019. Com a tramitação do Projeto de Lei 490 (PL 490) no Congresso, a situação pode piorar ainda mais. 

O que é o PL 490 e como impacta na questão indígena?

O PL 490 cria o chamado “marco temporal”, ou seja, define que só serão consideradas terras indígenas territórios ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Se aprovado o PL, os pedidos de reconhecimento de terra indígena precisarão ter essa comprovação, caso contrário, caberá ao Congresso definir se a terra será concedida aos indígenas ou não. 

Para Oliveira, essa tese é perversa, pois desconsidera a história de violência a que foram submetidas as populações indígenas no Brasil, com assassinatos e ameaças e que resultaram na expulsão das comunidades de suas terras. Além disso, o PL abre margem para a exploração de recursos naturais por mineradoras, garimpos e multinacionais, o que causaria um impacto direto na questão ambiental. 

No entanto, Oliveira explica que é preciso entender que existem dois aspectos importantes na luta indígena atualmente, o PL 490, defendido, principalmente, pela bancada ruralista, e a tese do Indigenato, que está para ser julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) e é defendida pelos povos indígenas, pelo CIMI e demais movimentos sociais.

Ela se baseia na defesa da Constituição e do direito à demarcação como direito originário às terras tradicionalmente pertencentes aos povos, anterior ao próprio Estado. 

Segundo o secretário do CIMI, caso venha a ser reconhecido o direito originário pelo STF, os trâmites do PL 490 ficam enfraquecidos e o projeto de lei pode ser extinto. Ou seja, “estrategicamente, os povos estão se mobilizando para dar apoio ao STF e fazer incidência para que esse julgamento venha reconhecer os seus direitos constitucionais”, explica ele. 

O julgamento do PL 490 está previsto para ser realizado no dia 25 de agosto. Ao longo de todo o mês, diversas mobilizações estão marcadas para acontecer em Brasília e em outras capitais do país.

Luta indígena também se faz na cidade

A mobilização fora das aldeias é a maneira com que os povos indígenas têm conseguido pressionar o governo federal, agregar parcerias e principalmente, denunciar os abusos e trazer luz para a causa indígena. 

“Ao mesmo tempo que a demarcação de um território tem a ver com toda a população do Brasil, ela favorece toda a proteção de um ambiente, de um ecossistema, não só do ser humano, da cultura, mas de todo o meio ambiente. Portanto, favorece toda a população e todo o país”, explica Oliveira. 

Breve histórico 

Oliveira destaca que a Constituição de 88 foi um dos maiores avanços na luta por direitos dos povos indígenas em todo o mundo, mas que posteriormente, vários governos tentaram negar esses direitos ao não aplicá-los.

No entanto, a partir do ano 2000, houve um processo de reconhecimento e abertura do governo para o diálogo, que se manteve até meados de 2014 e permitiu avanços em políticas públicas direcionadas aos povos indígenas como as cotas na educação, além da questão da demarcação de terras. 

No entanto, a partir de 2014, o diálogo foi novamente paralizado, com o próprio executivo se colocando contra e promovendo violência direcionada aos povos indígenas, potencializada pelo governo Bolsonaro. 

Atualmente, além da PL 490, também está em pauta o chamado “PL da grilagem” (PL 2.633), que tem esse nome em referência a atividade ilegal de compra e vendas de áreas públicas utilizadas principalmente para desmatamento e crimes ambientais. O PL foi aprovado na Câmara dos Deputados na terça-feira (3) e pode acabar dando aval para as atividades ilegais em terras indígenas e de quilombolas. 

Foto: Fábio Rodrigues/Agência Brasil